Opinião
Relações Portugal China
Pedro Catarino, Curador da FJA, Embaixador jubilado, entre vários outros postos e funções, Embaixador de Portugal em Beijing e em Washington, Representante de Portugal junto das Nações Unidas, Chefe da Parte Portuguesa no GLC sobre o futuro de Macau, Presidente da Comissão Interministerial sobre Macau, e Cônsul-Geral em Hong Kong. Desempenha atualmente as funções de Representante da República para a Região Autónoma dos Açores.
Continuação
Para além do fator Macau, que continua a não perder ou a diminuir a sua relevância, a China viu em Portugal um parceiro útil e interessante.
– Dada a nossa situação geográfica à boca do Mediterrâneo, com uma presença no Atlântico Norte através dos Açores e às portas da Europa.
– Dada também a nossa projeção e os nossos laços com os países lusófonos e com África e a América Latina.
– Dada ainda a nossa capacidade de relacionamento com países de diversas culturas em todos os continentes, por fatores históricos, mas também socioculturais.
Daí que tenha sempre procurado o estreitamento das relações com o nosso país e, que, numa altura para nós de dificuldade, se tenha disposto, também por interesse próprio, a investir na nossa economia e que tenha levado à celebração, em 2005, de um acordo de parceria estratégica ligando os 2 países.
Mas a relação com a China, devido à diferença de dimensão, às diferenças civilizacionais e à evolução política interna e aos métodos de atuação no campo externo, é uma relação complexa que exige uma atuação ponderada e muito atenta.
Primeiro que tudo, devemos ter em conta o quadro político e económico das nossas alianças, sobretudo no aspeto securitário e de equilíbrio global.
O quadro da nossa política externa é bem claro e estável: a pertença à União Europeia, os laços com os países da CPLP e a relação transatlântica com a pertença à NATO.
Este quadro dá previsibilidade às nossas políticas e força à nossa atuação.
Muitos dos aspetos da relação com a China têm que ter em conta este quadro e ser integrados numa atuação coletiva, evitando o nosso isolamento perante o gigante que é a China e as reações eventuais que podem prejudicar os nossos interesses.
As relações com a China têm que ser contextualizadas com a atuação da UE, dos EUA e de outros países (“like minded”).
É necessário primeiro que tudo, nos aspetos globais, que seja exigido à China um “level playing field,” em que as condições em que os países atuam no campo internacional sejam iguais, com as mesmas regras para todos, de modo a garantir relações equilibradas, sem desníveis ou dependências que distorçam o desejável equilíbrio e garantindo ao mesmo tempo reciprocidade e benefícios mútuos.
Que as práticas comerciais e industriais sejam transparentes e corretas, evitando-se práticas de dumping, respeitando os direitos de propriedade intelectual, combatendo a contrafação, etc., etc.
Que as condições sociais sejam aceitáveis e respeitem os direitos dos trabalhadores não podendo ser utilizadas para aumentar a competitividade das empresas chinesas.
Tudo isto deverá ser objeto de um esforço concertado e coletivo, no qual devemos participar com tato e prudência. Portugal terá que estar atento e seguir as estratégias postas em execução pela UE, da mesma forma que deverá seguir e ter em atenção o embate entre os EUA e a China na defesa dos seus respetivos interesses.
Tal não quer dizer que não deva ter a sua própria estratégia e a sua própria política, no seu relacionamento com a China.
Comungamos com os princípios básicos enunciados pelo Presidente Xi Jinping ao defender a coexistência pacífica, o respeito mútuo, uma cooperação vantajosa para todos e uma economia mundial estável.
A China é demasiado importante para que se deixe em mãos alheias a defesa dos nossos interesses (a UE não se pode considerar como mãos alheias). A China é uma realidade incontornável e apresenta um conjunto de importantes oportunidades que não podem deixar de ser aproveitadas.
Tanto mais que Portugal tem um conjunto de fatores e vantagens competitivas que não podem ser desperdiçados. Este é um ponto essencial em que nos devemos focar.
O fator histórico – o passado distante e o passado recente -, Macau, a posição geopolítica do nosso país, as qualidades do povo português, tudo terá que ser traduzido numa ação que tenda a favorecer a promoção dos nossos interesses e a valorização da nossa relação com a China.
Essa ação deverá ser delineada numa perspetiva de longo prazo, não em função da situação política da China de hoje, que terá evidentemente que ser posta em equação, mas numa base permanente que tenha condições de continuar válida para além de qualquer eventual mudança que possa acontecer, num ou no outro país.
Essa ação é por outro lado condição para que o nosso país tenha relevância no seio da UE e nas relações com países terceiros de importância para nós como os membros da CPLP e os EUA e para que tenha relevância no nosso diálogo e interação com a China, que volto a acentuar, não é um corpo estático e imóvel, embora dada a sua natureza e dimensão, se mova sempre, em condições normais, de forma lenta e compassada.
Daqui a importância do Centro Científico e Cultural de Macau como entidade promotora e catalisadora de toda uma ação dirigida para o estreitamento das relações de Portugal com a China.
Criado em boa hora pela Administração Portuguesa de Macau, com os olhos postos no futuro no sentido de se aproveitar tudo aquilo que se conseguiu através de um cuidadoso esforço todo direcionado para o interesse de Portugal que não pode agora ser desperdiçado.
O sector científico e cultural, as relações entre as universidades, a captação dos académicos, dos meios estudantis têm uma importância fundamental.
Os agentes culturais e académicos têm um efeito multiplicador que não podemos desvalorizar, se queremos ter alguma influência e capacidade de promoção dos nossos interesses.
O CCCM tem potencialidades para se constituir num polo de atuação e num ponto de encontro com vida própria das entidades institucionais e privadas, coletivas e individuais, chinesas e portuguesas, que no nosso país desenvolvam atividades com conexão com a China ou que tenham uma relação com aquele país.
Tem a grande vantagem e benefício de ter o apoio e o beneplácito do Governo chinês que reconheceu o papel do CCCM, no protocolo assinado com o Governo português.
Precisamos, para que isso suceda, que haja vontade política por parte do governo e que essa vontade política se traduza nos apoios necessários.
Precisamos, também, que haja uma conjugação de esforços de todos os que estão em posição de poder contribuir para a consolidação e desenvolvimento de um projeto que poderá ter um impacto muito significativo na nossa relação com um país tão importante como a China e ser um instrumento precioso para a política externa de Portugal e sua diplomacia.
Na mesma linha, a Fundação Jorge Álvares criada para dar continuidade à defesa da língua portuguesa em Macau e dos interesses de Portugal e da comunidade portuguesa, reúne uma massa crítica de individualidades ligadas a Macau e à China, que pode e deve ser aproveitada para ajudar e dar força ao CCCM. O papel da Fundação deve ser, pois, encorajado, apoiado e reforçado.