Depoimentos de três antigos professores
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Nesse curto período, de Outubro a Dezembro de 1975, reencontrei antigos colegas e amigos, alguns dos quais também exerciam a docência no Liceu, o que facilitou a minha rápida integração, sem olvidar as utilíssimas experiências docentes e de gestão escolar obtidas em Bissau e em Lisboa. Era um tempo de muitas incertezas sobre o futuro, na sequência da revolução de Abril em Portugal, sobretudo quando foram anunciadas as independências dos territórios ultramarinos portugueses. Por outro lado, o gigante vizinho chinês estava a chegar ao fim da iníqua “revolução cultural” e em vésperas de iniciar a sua surpreendente abertura com um novo e esclarecido timoneiro.
O jovem Governador Garcia Leandro teve um papel fulcral na manutenção da tranquilidade e em assegurar, com sageza e determinação, a continuidade e o desenvolvimento com a maior estabilidade possível. E o Liceu, a que estavam ligadas muitas das mais destacadas e influentes famílias de Macau, era visto como um instrumento importante para a realização dos propósitos almejados. Ainda não havia ensino superior no território e o Liceu era tido, pela comunidade e pelo Governo, como o mais importante estabelecimento de ensino, entre dezenas de outras escolas de língua veicular portuguesa e chinesa, que garantiam a toda a população uma escolaridade completa, do pré-primário ao fim do secundário.
Dos alunos, guardei as melhores recordações. Sendo ainda solteiro, tive uma grande disponibilidade para estar com eles, conversar com muitos sobre os mais variados assuntos e despertar neles o interesse pela cultura, pela leitura, pelo desporto, pela música e por preocupações de natureza social, o que fez com que tivesse podido acompanhar depois o percurso de muitos deles, na vida académica, profissional e familiar. Quando foi anunciada a minha saída, foi por eles organizado um encontro de convívio e foi-me oferecida, como lembrança, uma bonita caneta Cross, que ainda conservo. Fui depois padrinho de alguns deles ou dos seus filhos, em casamentos, baptizados e crismas. De entre os alunos, contam-se professores universitários e de outros graus de ensino, quadros locais em diversificadas áreas e profissionais liberais, cujas vidas foram histórias de sucesso, que a formação oferecida pelo Liceu ajudou certamente a construir.
Um outro momento em que exerci funções docentes no Liceu foi quando a área de jornalismo foi introduzida no ciclo complementar, no final da década de 70 do século passado. Não havendo professores para esta área, lembrou-se o reitor de pedir a minha colaboração. Não podendo assumir a docência sozinho, porque as minhas funções no Governo, como director do Turismo e da Comunicação Social eram demasiado absorventes e tinha sido também eleito deputado à Assembleia Legislativa de Macau, onde presidia às comissões de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e do Regimento e Mandatos, aceitei, com a concordância do Governador, preparar o lançamento do curso e coordená-lo. Ele funcionou com eficácia e em moldes completamente diferentes das demais disciplinas, com as aulas asseguradas por mim e por um conjunto qualificado de jornalistas e técnicos de comunicação social locais, todos sem auferirem qualquer remuneração. Foi uma experiência assaz gratificante e desse primeiro curso emergiu uma estrela, o futuro jornalista e escritor José Rodrigues dos Santos, jovem cheio de imaginação e capacidade.
Fizemos um jornal impresso, que todos guardam, chamado “Projecto”, porque se tratou de um primeiro e bem conseguido projecto colectivo de futuros profissionais de comunicação. Além disso, foram organizadas visitas a órgãos de comunicação social e deslocações a Hong Kong para conhecerem os estúdios da televisão e a redacção de um dos mais conhecidos jornais da antiga colónia britânica. A autonomia conferida pelo Estatuto Orgânico de Macau, de Fevereiro de 1976, permitiu que, também no sector educativo, se inovasse, para que as metas fixadas fossem alcançadas e, com visão e pragmatismo, as carências, dificuldades e problemas fossem bem resolvidos.
Sempre intimamente ligado à Educação, tive o privilégio de, como membro do Governo, presidente da Fundação Macau ou no âmbito do ensino superior, acompanhar as transformações que se foram operando nas décadas seguintes, até à aprovação da Lei do Sistema Educativo, ao rápido desenvolvimento do ensino superior, à intensa formação de quadros para o futuro de Macau, como região administrativa especial chinesa, e à criação da Escola Portuguesa de Macau, que herdou as experiências educativas do Liceu e do seu sucedâneo que foi o Complexo Escolar de Macau, da Escola Comercial Pedro Nolasco e de algumas outras escolas, entretanto extintas ou reconvertidas, antes e após o estabelecimento da RAEM.